Em fevereiro de 2022, o money.co.uk, um site de produtos financeiros britânico, publicou uma pesquisa que revelou quais são os arquitetos e os edifícios mais pesquisados no google na atualidade. Enquanto os edifícios mais procurados são majoritariamente pontos turísticos como o Burj Khalifa, a Torre Eiffel e o Taj Mahal, entre os arquitetos vê-se um destaque isolado do primeiro lugar: a arquiteta iraquiana Zaha Hadid tem larga vantagem para o segundo lugar, Le Corbusier, consagrando-a como a arquiteta mais procurada e acessada do mundo. Com uma trajetória poderosa enquanto arquiteta mulher, Zaha é autora de projetos em diversos países e está fortemente conectada à evolução digital da arquitetura.
A partir de um estudo realizado com os dados de busca do Google, a pesquisa feita pelo money.co.uk destacou quais são os arquitetos mais buscados na internet em cada país. Dos mais de 135 países pesquisados, Zaha Hadid foi a arquiteta mais procurada em 84 deles, espalhados por todo o mundo, liderando em quase todos os continentes — com exceção da América do Norte, cujo arquiteto mais buscado é Frank Lloyd Wright. A popularidade de Wright nos Estados Unidos e Canadá está diretamente ligada à história do arquiteto que tem suas principais obras construídas no território estadunidense, sendo autor de importantes marcos da arquitetura como a Casa da Cascata ou ainda o Museu Guggenheim de Nova York, o qual, também segundo a pesquisa, conta com mais de 220 mil hashtags no instagram sendo uma das obras mais populares da internet.
Os dados mostram que os países buscam por arquitetos que têm alguma identificação com sua cultura, como é o caso dos estadunidenses com Frank Lloyd Wright, ou ainda Oscar Niemeyer no Brasil e Renzo Piano na Itália. Ao mesmo tempo, a popularidade de Wright na Jamaica, em Porto Rico e na Austrália, por exemplo, mostram também um outro lado da cultura e educação arquitetônica, ao considerarmos o impacto do imperialismo e domínio cultural dos Estados Unidos nesses territórios. A posição de Zaha, porém, se destaca por ter popularidade em países com culturas e histórias variadas: do leste europeu à América Latina, passando pelo Oriente Médio e África Subsaariana, Zaha aparece como a arquiteta mais buscada em diferentes territórios e contextos.
Se, em um primeiro momento, Hadid teve seu valor creditado à sua "personalidade atrevida e origem exótica" (FOSTER, Hal), efeito da estrutura machista e ocidental a qual o mundo da arquitetura estava (e está) ancorado, sua trajetória enquanto arquiteta quebrou paradigmas e transformou a forma de pensar arquitetura, projetar espaços e construir edifícios. Zaha nasceu em 1950 no Iraque, se formou em matemática na American University of Beirut antes de se mudar para Londres e se formar arquiteta na Architectural Association (AA), em 1977. Em seus primeiros anos como profissional, Zaha se dedicou às artes visuais, estudando as pinturas de Kazimir Malevich e traçando paralelos com as representações arquitetônicas de plantas, cortes e elevações.
Com influências e referências do suprematismo e construtivismo russos, e a partir de um resgate de princípios modernistas que foi aos poucos sendo abortado ao longo da década de 1960, Zaha começa a traduzir suas pinturas para a construção de edifícios a partir do final da década de 1980, com projetos como a Estação do Corpo de Bombeiros de Vitra, por exemplo. Sua prática profissional enquanto arquiteta parte dos estudos das artes visuais sobrepostos às tecnologias digitais, ainda muito embrionárias nos anos 1990. O rápido avanço destas últimas nas décadas seguintes permitiu à arquiteta desenvolver geometrias distintas e icônicas que se relacionam com o entorno específico de cada projeto.
A obra de Zaha evolui à medida que evoluí também a tecnologia digital e a técnica construtiva, utilizando a "tecnologia digital para minimizar o máximo possível as restrições materiais e as preocupações estruturais e assim pular do desenho à construção o mais diretamente possível" (FOSTER, 2017). Ao somar as influências artísticas russas ao futurismo, e encontrar alternativas técnicas que deem vida aos seus projetos, Zaha Hadid criou edifícios que se tornaram objetos emblemáticos nas cidades onde estão localizados, vencendo uma série de concursos ao longo dos anos 1990 e 2000 e sendo, inclusive, contemplada com o Prêmio Prtizker de 2004, tornando-se a primeira mulher a receber a honraria.
Se, por um lado, Zaha elevou as discussões no campo da arquitetura na transição do moderno para o pós-moderno ao propor formas inusitadas e instigar os avanços tecnológicos, tanto do ponto de vista de projeto quanto do ponto de vista da construção, por outro, seus projetos impactam as paisagens urbanas até hoje, tornando-se destinos turísticos que atraem o interesse de milhares de visitantes. Além disso, sua trajetória enquanto mulher oriental em um campo profissional conservador serve também como inspiração para as discussões atuais em relação ao feminismo dentro da arquitetura. A popularidade de Zaha se dá, portanto, a partir de três instâncias: sua figura pública, pautada em sua trajetória pessoal; a imponência e iconicidade de seus projetos em variadas escalas; e fatores mais amplos como a globalização das informações e influências culturais.
Referência
FOSTER, Hal. Gestos Neovanguardistas em O complexo arte-arquitetura. São Paulo: Ubu Editora, 2017, p. 91-108.